O preço da Biodiversidade - Pavan Sukhdev

on quarta-feira, 15 de setembro de 2010

O preço da biodiversidade
Entrevista com Pavan Sukhdev, do Deutsche Bank

Em 2007, em um encontro do G8, o grupo dos oito países mais ricos do mundo, em Potsdam, na Alemanha, decidiu-se que era necessário criar um painel responsável por calcular o custo dos danos ao ambiente causados pelo homem. O indiano Pavan Sukhdev, economista sênior do Deutsche Bank, foi convidado para coordenar esse projeto, chamado de “A economia dos ecossistemas e da biodiversidade” (Teeb, na sigla em inglês) e vinculado ao Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. O resultado será apresentado em outubro em uma conferência sobre biodiversidade em Nagoya, no Japão. Sukhdev concedeu a seguinte entrevista ao editor Diogo Schelp em São Paulo, onde participou de palestras para divulgar dados preliminares de seu estudo. Ele avalia que o prejuízo causado pela destruição do ambiente só pode ser revertido com uma transição para um sistema econômico mais sustentável. É o que Sukhdev chama de “economia verde”.

Qual o custo da destruição da natureza?

A perda anual representa entre 2,5 trilhões e 4,5 trilhões de dólares. Nessa conta está incluída apenas a destruição das florestas, dos mananciais e da vegetação dos mangues. O cálculo foi feito com base no valor atual dos serviços que esses recursos naturais, prestam ao homem, como ar puro, água doce, produtos florestais, turismo ecológico, potencial biológico das espécies, prevenção de inundações e controle de secas.

Quem mais perde com os danos ao ambiente?

Há quem pense que a defesa ambiental é um luxo para os ricos. A realidade é o oposto. A proteção da biodiversidade é uma necessidade para os pobres, principalmente os da zona rural. Eles sobrevivem dos benefícios diretos das florestas, dos recursos hídricos e do solo. Essa dependência se explica porque os pobres não tem muitos bens acumulados. Como tem pouca riqueza privada, precisam da riqueza publica, na forma de serviços ecológicos, para sobreviver. Se continuarmos no atual ritmo de destruição ambiental, em 2050 o prejuízo será equivalente a 7% do PIB mundial. Pode parecer pouco em relação à riqueza global, mas é muito se comparado aos benefícios e ao sustento que a natureza proporciona às famílias dos agricultores pobres. Por isso, acredito que a maneira certa de calcular o custo da destruição do ambiente é compará-lo não ao PIB, mas à renda da população pobre. Por esse critério, os prejuízos causados pelo mau uso dos recursos naturais representam entre 50% e 80% da renda dos pobres. Enquanto não mudarmos a maneira de fazer negócios, vamos continuar perdendo as vantagens dos serviços ambientais e, por consequência, prejudicando a sobrevivência da maior parcela da humanidade.

O que é preciso mudar na maneira de fazer negócios?

A visão dominante, hoje, é a da necessidade de escolher entre desenvolvimento e ambiente, ou entre riqueza e biodiversidade. Esses elementos não são intercambiáveis. Os empresários também podem ser prejudicados pela devastação ambiental. Há pelo menos três maneiras de convencê-los disso. A primeira é mostrar os riscos crescentes ao seu negocio. Se a empresa atua no setor agrícola, por exemplo, pode ter gastos mais elevados com fertilizantes e até perder a capacidade de produzir em determinada região se houver escassez de água causada pelo mau uso do recurso. A segunda maneira é revelar as oportunidades de negocio relacionadas à exploração sustentável da natureza. A indústria dos produtos orgânicos é um exemplo disso. Trata-se de um mercado que cresceu a um ritmo de 200% nos últimos quatro anos, no mundo todo. A terceira forma de eliminar a dicotomia entre desenvolvimento e ambiente é incentivar os empresários a explorar o potencial de uma nova área de inovação: a criação de tecnologias sustentáveis inspiradas em soluções da natureza. Em resumo, os empresários precisam começar a investir em capital natural, aquele formado pelos benefícios dos ecossistemas e da biodiversidade. Essa economia verde terá de substituir o modelo atual.

Por que o modelo econômico atual não é sustentável?

O mundo nunca se recuperou para valer da grande recessão do inicio dos anos 30. O modelo que nos tirou daquela situação, valido até hoje, surgiu após a II Guerra e era baseado no aumento da produção alimentada pelo consumo. O progresso econômico passou então a ser medido pelo crescimento do PIB (produto interno bruto), basicamente a soma de toda a riqueza produzida por uma nação. Desde então, estamos presos nesse esquema. Durante algum tempo, o progresso baseado no crescimento do PIB serviu a um bom propósito, porque elevou uma grande parcela da sociedade a um patamar de grande bem-estar. Atualmente, esse modelo é tão anacrônico quanto o transporte transoceânico de passageiros em navios. Nas ultimas décadas, o mundo enfrentou quatro grandes recessões. Para o capitalismo voltar a funcionar, é preciso entender a riqueza como uma combinação do capital físico (produtos e serviços feitos pelo homem, bens monetários), do capital humano (saúde, educação, inteligência), do capital social (segurança nas ruas e outros elementos da convivência em sociedade) e do capital natural (a possibilidade de respirar ar puro e beber água limpa). O modelo de progresso econômico quantificado apenas pelo PIB é uma falácia. Estamos presos em um esquema que privilegia a quantidade contra a qualidade. Isso é ilógico.

O senhor pode dar um exemplo?

Basta analisar a questão dos subsídios. Atualmente, a indústria do petróleo recebe mais de 300 bilhões de dólares por ano para subsidiar preço e produção. Qualquer cidadão sabe que os combustíveis fósseis estão entre os maiores culpados pelo aquecimento global. Apesar de ser antieconômica e poluente, a exploração de petróleo e derivados é sustentada com dinheiro publico. A pesca recebe 27 bilhões de dólares anuais de ajuda, o que representa um terço do faturamento global da indústria pesqueira. O resultado disso é que os estoques de peixe nos oceanos estão entrando em colapso. Esse é um exemplo claro da falta de lógica da busca inconsequente pelo aumento da produção.

Como o setor financeiro pode lucrar em uma economia verde?

Os bancos correm para os setores onde estão os negócios mais bem sucedidos. Em uma economia verde não será diferente. As empresas com o melhor retorno financeiro, aquelas com maior estabilidade e bom padrão de crescimento, serão sempre privilegiadas pelos banqueiros. Se o meu acionista quer o melhor desempenho com os riscos mais baixos possíveis, por que não investiria em empresas verdes sustentáveis?

Como o senhor define a economia verde?

Trata-se de um modelo econômico que reduz o risco de escassez ecológica e dano ambiental. Estima-se que o impacto da atividade das 3.000 principais corporações do mundo na mudança climática, nos recursos hídricos, no desperdício de material e na poluição tenha um custo de 2,25 trilhões de dólares por ano. Isso representa 3% da economia global e não inclui acidentes ambientais como o vazamento de petróleo no Golfo do México. Uma economia verde deverá contabilizar os custos que a atividade empresarial impõe à sociedade e terá de lidar com eles. A riqueza, então, passará a ser medida com base no acúmulo de capital humano, natural e social, e não apenas físico.

Para diminuir o impacto ambiental da atividade econômica, será preciso reduzir o padrão de consumo da humanidade?

Nos países ricos, sim. Para uma pessoa rica, o consumo representa apenas acúmulo de bens. O morador de Saint-Tropez, na França, não está preocupado em poder comprar dois hambúrgueres ou um só, mas se o seu iate é maior do que o do vizinho. Que melhoria de qualidade de vida é essa? Isso é puro consumismo. A população dos países pobres, no entanto, ainda precisa elevar o seu padrão de vida. O acesso a alguns serviços públicos e a certas formas de riqueza depende do aumento do consumo. O desafio global é conseguir um equilíbrio no nível de bem-estar das populações.

Nos países ricos, a queda no consumo não levaria ao fim da inovação tecnológica?
O seu iPhone e o meu BlackBerry teriam um preço muito mais alto para o consumidor final se as empresas tivessem de pagar pelo impacto de despejar cinquenta ou sessenta produtos químicos na natureza ou pela reciclagem dos metais contidos no aparelho. Se o custo ambiental do produto fosse incluído no preço final, aí, sim, as empresas teriam de inovar. Atualmente, a inovação apenas tem substituído consumo por mais consumo. Isso é preguiça. A verdadeira inovação é fruto de limitações, de oportunidades e da engenhosidade humana. Celulares como o seu ou o meu podem até tornar a nossa vida mais fácil, mas uma terceira pessoa pode ter sofrido as consequências ambientais da produção desses aparelhos. Em uma economia verde, haverá ainda mais inovação, porque as empresas terão de descobrir uma maneira de fabricar os mesmos produtos sem poluir e substituindo determinados materiais por outros, mais sustentáveis.

Que papel os governos terão na transição para a economia verde?

Os cidadãos não precisam de um estado-babá. Eu administro o meu próprio portfólio de investimentos, assim como cada indivíduo cuida do seu dinheiro. Como economista ambiental, há uma espécie que, na minha opinião, não precisa ser salva: a das empresas improdutivas e pouco sustentáveis. Os governos deveriam simplesmente deixá-las morrer. Precisamos, isso sim, de segurança na rua, de transportes públicos de qualidade e a custo decente, de ar puro para respirar. Tudo isso engloba o que eu chamo de riqueza pública, e a função dos governos é resguardá-la.

Como convencer os governos a adotar essa postura?

Atualmente, os governos estão presos ao seguinte modelo: o crescimento do PIB influencia nos lucros corporativos, estes elevam o nível de arrecadação de impostos, que por sua vez alimenta o orçamento deficitário do estado. Uma maneira de sair desse círculo vicioso é mudar a taxação de recursos. Em vez de arrecadar impostos sobre a renda e os bens, como é feito hoje, seria melhor taxar os efeitos externos negativos da atividade empresarial. As alíquotas deveriam ser aplicadas sobre o uso dos recursos naturais e dos materiais. O modelo atual apenas incentiva o mau uso do capital.

Fonte – Revista Veja de 09 de junho de 2010

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