Ao infrator, o prêmio

on domingo, 13 de março de 2011

Portal Paraíba
Ao infrator, o prêmio
Por Guilherme Ferraz (Procurador da República. É mestre em Direito Previdenciário pela PUC-SP.)


Defender o meio-ambiente tem se tornado aos poucos um dos temas rotineiros de discussão política no Brasil e no mundo (vide campanha da fraternidade lançada hoje pela CNBB). Desde os avanços da conferência internacional Rio 92, vem se impondo ao mundo o desafio de conscientização e iniciativa de todos em torno do desenvolvimento dito sustentável, ou seja, aquele que preserva o meio-ambiente para as novas gerações. Há um consenso na comunidade científica de que não existe oposição verdadeira entre progresso e ecologia, pois o crescimento predatório tende a se esgotar e comprometer o futuro de qualquer nação.

Entretanto, ainda estamos no início de uma grande batalha, que não se trava somente nas conferencias internacionais e nos gabinetes de Brasília, mas sim na mente de todos os cidadãos, em prol de uma mudança de concepções e postura.

Lucro certo

Esse desafio se estende também à forma como os Poderes Públicos dão tratamento à questão no seu dia-a-dia. Por exemplo, temos observado que, numa análise rigorosa de custo e benefício, causar danos ao meio ambiente em nosso Estado tem sido uma alternativa vantajosa para empresários menos preocupados com os interesses da coletividade.

Refiro-me, por exemplo, aos inúmeros casos de dano decorrente de construção de edificações comerciais em áreas de preservação permanente (indispensáveis para manutenção de inúmeros ecossistemas), destruição de manguezal (de importância capital na cadeia alimentar de inúmeras espécies) ou de resquícios de mata atlântica (dos pouquíssimos que ainda restam no país), notadamente na faixa litorânea.

A despeito da desestruturação crônica dos órgãos do Executivo encarregados da fiscalização ambiental, é possível, em tese, que haja autuação administrativa do infrator com imposição de multa pelo dano. Ocorre que essa reparação normalmente não é efetivada senão após longos anos de tramitação de processos administrativos e judiciais, tempo em que o invasor permanece usufruindo alegre e satisfeito do meio-ambiente lesado, em prejuízo de toda a sociedade.

Portanto, feitos os cálculos na ponta do lápis, constatar-se-á que, mesmo que o invasor efetivamente recomponha o dano e pague a multa num futuro incerto, todo o tempo em que explorou ilegalmente a área proibida, muitas vezes pública, será bastante compensador para seus bolsos. Além disso, ainda se tem visto, a partir de uma brecha que se abriu na legislação ambiental (pois é, ainda por cima isto...) a substancial redução do valor das multas em troca de uma suposta reparação do dano, ou, na verdade, “remendo do dano”. Moral da história: ao infrator, o prêmio.

Pergunta-se então: será que nesses casos o meio -ambiente voltará mesmo a ser exatamente como era antes? E quanto a todo o período em que a natureza e a coletividade estiveram privadas dos benefícios do seu patrimônio natural? Isto não vale nada para a sociedade?

Uma pechincha

Pior ocorre quando a Administração ou o Judiciário resolvem anuir com a permanência definitiva do invasor na área, em troca de módicas compensações ambientais, sob alegação de que o empreendimento gera “emprego e renda” e de que se trata de “situação consolidada”. Desse jeito, confere-se o prêmio máximo e definitivo a quem desempenhou o papel de vilão, destruidor do meio-ambiente. E sai perdendo toda a coletividade, privada de uma maior qualidade de vida.

Parece surreal, mas, lamentavelmente, essa é a realidade com a qual já nos deparamos em vários casos no dia-a-dia na Paraíba, quando, após intermináveis processos administrativos ou judiciais, existe a perspectiva de se obter, no máximo, uma “indenização compensatória”, verdadeira pechincha para os mais espertos que optaram por infringir a lei ocupando o que sabiam não poder ocupar jamais. No fim, como dito, acabam conseguindo o que queriam, pelo menos durante todo o longo trâmite desses processos, quando não definitivamente. E depois de décadas de tramitação dos processos que lhes cabem, porque não ocupar outros espaços para se capitalizar melhor?

Nessa situação se enquadram, portanto, as ocupações comerciais em áreas de uso comum do povo e de preservação permanente no litoral de nosso Estado, que, embora flagrantemente ilegais e degradadoras do meio-ambiente, acabam permanecendo até o julgamento do último recurso judicial, quando deveriam ser retiradas imediatamente por iniciativa meramente administrativa. Em tais casos, deve-se lembrar, normalmente há deposição de dejetos ao ar livre ou em fossas precárias próximas a cursos e lençois d'água, destruição de vegetação típica e introdução de espécies exóticas e até mesmo perturbação do ciclo reprodutivo de animais em risco de extinção.

Soluções possíveis

Aqui na Paraíba, o Ministério Público tem alertado o Poder Judiciário para os efeitos deletérios desses precedentes, apontando como caminho mais adequado, em casos tais, a determinação liminar de interdição e a condenação à reversão imediata do dano às custas do infrator, bem como o pagamento de pesadas indenizações pelo tempo de usufruto indevido do meio-ambiente lesado. Lembre-se que, mesmo no último caso, ainda haverá prováveis dificuldades para garantir esse pagamento, já que, certas vezes, o empresário invasor usa como “laranjas” supostos humildes, dificultando a localização de bens que possam garantir a execução dessa dívida, o que impõe a investigação mais aprofundada dos verdadeiros beneficiários desses lucrativos empreendimentos.

Logo, apenas com medidas assim será possível inibir a exploração privada indevida do patrimônio público e a destruição dos valiosos ecossistemas litorâneos que nos restam, cabendo ainda deflagrar a persecução penal para os casos mais graves, em que pesem os notórios entraves a serem enfrentados nessa seara.

De qualquer forma, começando pelas punições de caráter econômico, acho que já teríamos algum avanço. E a natureza poderia, pelo menos, começar a suspirar com algum alívio.

Fonte: http://www.paraiba1.com.br/post.php?id=9117

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