Certamente a peça ficará desconfigurada após a postagem, razão pela qual destacarei as citações com mais espaços a fim de facilitar a reconfiguração (as citações devem ficar em itálico e devidamente recuadas).
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR PROMOTOR DE JUSTIÇA DA____VARA CRIMINAL DA COMARCA DE CAMPO GRANDE/MS
Eu, xxxxxxxxxxxxxxxxxxxx, brasileiro, casado, xxxxxxxxxxxxx, portador do Registro Geral (RG) xxxxxxxxx SSP/MS, do Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) xxxxxxxxxx, filho de xxxxxxxxxxx e de xxxxxxxxxxxx, residente na Rua xxxxxxxx, nº xx, Vila xxxxxxx, Campo Grande/MS, CEP 79110-200, telefones xxxxxxxxxxxx, xxxxxxxx e (xx) xxxxxxxxxxxx, venho, por esta e na melhor forma de direito, à augusta presença de Vossa Excelência, apresentar
NOTITIA CRIMINIS
e requerer que se adote as medidas legais pertinentes para promover a apuração do fato com a conseqüente responsabilização criminal dos autores, especialmente a responsabilização criminal e disciplinar dos policiais militares que se omitiram e deixaram de atender à ocorrência, consoante fundamentos fáticos e jurídicos infra-expostos:
DOS FATOS:
Por volta 22 (vinte e duas horas) do dia 1º (primeiro) de novembro do corrente ano os moradores da residência situada na Rua Cel. Miquelino Barbosa, nº 38, Vila Sobrinho, também conhecida por Vila Santa Rita, Campo Grande/MS, CEP 79110-200, passaram a promover perturbação do sossego abusando de instrumentos sonoros (Art. 42, III, LCP – música mecânica), quando os moradores à sua esquerda, quais sejam, os da casa de nº 28, parede-meia com a de nº 38, como numa espécie de revide, passaram também a perturbar o sossego utilizando-se do mesmo meio, gerando assim poluição sonora que atingiu níveis insuportáveis e prolongou-se até por volta das 1h 15min da manhã do dia seguinte.
Ante aquela situação de flagrância de Infração de Menor Potencial Ofensivo (IMPO), mais especificamente infração ao art. 42, III, da LCP (Lei das Contravenções Penais), ligamos (eu, meus familiares e alguns outros vizinhos) para o telefone de emergência 190 (Polícia Militar), consoante algumas gravações que seguem em CD anexo, solicitando a presença da Policia Militar para promover a prisão dos infratores.
Num primeiro momento, por volta 23 horas, o atendente informou que logo estaria aparecendo uma viatura no local para solucionar o problema, entretanto o fato é que tal viatura não apareceu, assim, mister se fez a realização de novas solicitações, todas sem êxito, quando, em determinado momento, o Policial atendente resolveu “abrir o jogo” e admitir que não iria nenhuma viatura ao local, porquanto, segundo ele, a Polícia Militar prioriza ocorrências contra a vida e contra o patrimônio.
Numa visão perfunctória parecem procedentes os argumentos, mas, de uma análise mais profunda emergem dos fatos sutilezas importantes que recomendam a apuração dos seus aspectos penal e disciplinar.
A princípio surge a indagação: será que a Polícia Militar tem como atribuição institucional tutelar apenas os bens jurídicos vida e patrimônio?! Outras indagações decorrem da primeira: será que a objetividade jurídica paz pública é irrelevante para o direito penal?! Há escrito em alguma lei que o patrimônio é mais importante do que o sossego público? Pode a Polícia Militar revogar texto expresso de lei a pretexto de que o bem jurídico tutelado pela norma contravencional é de somenos importância? Como é consabido, as respostas a todas essas indagações são negativas, assim sendo, o fato merece ser apurado sob pena de admitir demasiada discricionariedade à Polícia com grave risco à paz social.
Como bem sabe Vossa Excelência, não pode a Polícia Militar deixar de atender uma ocorrência a pretexto de sua baixa potencialidade ofensiva (IMPO), porquanto não lhe compete fazer esse tipo de julgamento, que, diga-se de passagem, já foi feito pelo legislador, e equivale a revogar texto expresso de lei (art. 42, inciso III da LCP), deixando a sorte da população ao alvedrio da Polícia, o que equivaleria à revogação também do tipo de prevaricação.
A desculpa da Polícia é a de que priorizam as ocorrências relativas a agressões a bens jurídicos mais relevantes, tais como a vida e o patrimônio, mas não bastam alegações genéricas nesse sentido; mister se faz demonstrar que nos interregnos ora mencionados todas as viaturas de serviço estavam envolvidas com ocorrências do tipo, para tanto, mister se faz a apuração do fato, sob pena de se consagrar o arbítrio desprezando fatos importantes tipificados na lei penal (seria muito poder na mão da polícia, que atenderia somente as ocorrências que mais lhe aprouvesse).
Minha indignação tem certa razão de existir: trabalhei mais de 20 (vinte) anos como Policial Militar do Estado de Mato Grosso (PMMT), e lá promovi centenas, talvez milhares de prisões por conta de conduta dessa natureza. Testemunhei a instauração de vários procedimentos administrativos que redundaram em punições disciplinares pelo fato de alguns Policias deixarem de atender ocorrência desse tipo; e agora, quando pleiteio meu direito sagrado ao sossego noturno para poder laborar e estudar no dia seguinte, dizem-me que o bem jurídico sossego público é irrelevante, que devo procurar a delegacia no dia seguinte. Parece-me absurdo ter de suportar, juntamente com minha família, uma noite inteira de tortura porque a Polícia julga o sossego público coisa de somenos importância. Teríamos de suportar a noite inteira de tortura, talvez todo o feriadão, para somente no dia útil seguinte procurar a delegacia a fim de registrar a “notitia criminis”. O bom-senso diz que seria milhões de vezes mais razoável exigir esse comportamento de eventual vitima de furto, por exemplo, visto que o bem jurídico patrimônio já estaria lesado, às vezes de forma irreversível, pois dificilmente a Polícia Militar logra êxito em prender o autor do fato, enquanto a perturbação estaria se protraindo no tempo com grave prejuízo para a paz pública.
Como a polícia não quis atender a ocorrência, após várias horas de tortura ouvindo barulho insuportável, meu filho deu um ultimato ao contraventor avisando-o que eu iria prendê-lo em flagrante se ele não cessasse imediatamente a sua conduta contravencional. O contraventor acabou acatando o pedido, mas, no dia 04-11-2007, domingo, por volta das 17 horas o mesmo contraventor voltou a desafiar a vizinhança obrigando todos a ouvir seu barulho insuportável. Liguei novamente para a Polícia Militar, desta feita disseram que não precisava ligar mais, porquanto já havia várias reclamações relativas ao mesmo endereço e que já estavam indo ao local “ORIENTAR” o infrator, mas ficou só na conversa, porque não apareceu nenhuma viatura no local.
Como se vê, a Polícia está completamente perdida: em vez de cumprir com o dever legal que deflui do art. 301 (flagrante compulsório), disse que iria apenas orientar o contraventor. Ressalte-se que não cabe à Policia conceder o “perdão policial” ao contraventor desprezando a angustia suportada pelos moradores vítimas da perturbação. Trata-se de hipótese de flagrante obrigatório, é dizer, a Polícia, em hipóteses que tais, tem o dever legal de agir, sob pena de prevaricar, nada obstante, sequer a orientação mencionada foi realizada, visto que a Polícia novamente não apareceu no local.
É consabido que, em regra, as ocorrências relativas aos bens jurídicos vida e patrimônio são atribuições afetas mais à Polícia Civil do que à Polícia Militar, pois aquela Polícia age, em regra, depois do crime (policiamento investigativo e repressivo), e esta, em regra, age antes do crime (policiamento ostensivo – preventivo), embora também aja repressivamente; assim, há que se apurar e esclarecer os fatos, ou seja, recomenda-se que Vossa Excelência, invocando o exercício legítimo de controle externo da atividade policial (art. 127, § 5º, inciso VII, CF), oficie ao Comando da Polícia Militar a fim de requisitar cópias das ocorrências atendidas no interregno das 23h do dia 1º às 1h da madrugada do dia 2 de novembro de 2007, bem como as ocorrências atendidas das 18 às 22 horas do dia 04 de novembro de 2007 a fim de verificar se estão realmente priorizando ocorrências ou se estão cometendo crimes de prevaricação (há notícias de que o morador contraventor – morador novo no bairro – é Policial Militar. Talvez seja por isso que deixaram de atender a ocorrência).
É razoável sustentar que ao atender uma ocorrência de Perturbação do Sossego Alheio, em detrimento de uma ocorrência de furto, por exemplo, a Polícia Militar estará mais eficazmente protegendo a sociedade, é dizer, estará, via reflexa, priorizando o bem jurídico vida, porquanto, ante a uma agressão sonora (art. 42, III, da LCP) e a recusa da Polícia Militar em atender à ocorrência com a conseqüente prisão do autor do fato (flagrante compulsório), consoante a segunda parte do art. 301 do CP, outra saída não há às vítimas senão buscar a auto-tutela legal promovendo o flagrante facultativo a que se refere a primeira parte do mesmo dispositivo legal.
Abandonados pelo Estado (a Polícia Militar não quer atender esse tipo de ocorrência) a vizinhança prejudicada esta se mobilizando para prender o infrator em flagrante assim que ele ousar desafiar o sossego público (art. 43, inciso III da LCP), caso não seja tomada uma providência urgente com a responsabilização criminal do autor do fato.
Ressalte-se que a alegação da Polícia Militar não tem base legal, especialmente porque, pela sua própria característica ostensiva, dificilmente lograria êxito em prender o autor do furto, protegendo eficazmente o bem jurídico patrimônio, mas, atendendo à ocorrência de Perturbação do Sossego Alheio, certamente evitaria o conflito entre o contraventor e as vítimas, hipótese potencialmente ofensiva ao bem jurídico vida ou ao bem jurídico integridade física, porquanto esse tipo de contraventor geralmente se encontra embriagado (ou drogado) e com estado de ânimo exaltado, o que o impede de entender o caráter lícito da prisão (flagrante facultativo) realizada por qualquer do povo, especialmente porque, em hipóteses que tais, geralmente se faz necessário o adentramento em casa alheia para a efetivação da prisão.
Ressalte-se ainda que é tarefa árdua até mesmo para os juristas compreender as sutilezas da prisão em flagrante, quanto mais para um leigo, que geralmente se encontra embriagado (ou drogado) cometendo a contravenção de Perturbação do Sossego Alheio; mesmo porque quase todos os brasileiros se acham juristas e técnicos de futebol, é dizer, é comum testemunhar brasileiro que nunca sequer chutou uma bola criticando o técnico da seleção brasileira, indicando quais os jogadores deveriam ser escalados, assim como também é comum testemunhar brasileiro metido a advogado que, em notória situação de flagrância, desafia policiais exigindo mandado de prisão à noite, alegando que a polícia só pode adentrar em sua residência, à noite, com ordem judicial, sem se aperceber que se encontra em situação de flagrância e que mandados judiciais só podem ser cumpridos durante o dia.
Outras sutilizas decorrentes do flagrante afetam até mesmo policiais “experientes”, os quais não conseguem discernir os momentos do flagrante (captura, lavratura do auto respectivo e recolhimento ao cárcere) e acreditam que não podem adentrar em casa alheia à noite ante a um flagrante de IMPO, visto que a esse tipo de infração penal “não se imporá prisão em flagrante” (parágrafo único do art. 69 da lei 9.099/95), mas se esquecem que o primeiro momento do flagrante (captura) é hipótese de legitima defesa social, podendo ser executado por qualquer do povo e devendo ser executado por policiais, esses sob pena do cometimento de crime (prevaricação, crime comissivo por omissão etc.). Como diz o eminente doutrinador Luís Flávio Gomes: “Não se pode deixar perpetuar uma situação de ilicitude, ou seja, no primeiro momento da prisão até mesmo as pessoas que gozam de imunidades podem ser capturadas, mesmo porque a imunidade e relativamente à prisão, não ao crime, é dizer, não serão autuados em flagrante, mas responderão pelo crime, e, para que seja possível responsabilizá-lo, mister se faz capturá-lo e conduzi-lo à presença da autoridade policial, a fim de identificá-lo e poder responsabilizá-lo, senão vejamos a lição desse eminente doutrinador:
Obs.: continuação da peça “notitia criminis”, parte das citações (deve fica em itálico e recuado – não se esqueça de deletar as observações).
“4.17 Da imunidade prisional (freedom from arrest)
Nos termos do art. 53, § 2º, da CF, “desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Neste caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo foto da maioria dos seus membros, resolva sobre a prisão”.
A imunidade prisional consiste, como se vê, na impossibilidade de o parlamentar ser preso, salvo em flagrante de crime inafiançável. Pode-se falar ainda na incoercibilidade pessoal do parlamentar (freedom from arrest) (STF, Pleno, Inq. 510-DF, Celso de Melo, DJU de 19.04.1991, p. 4.581).
Crimes afiançáveis
Primeira regra que se infere do texto constitucional: em crimes afiançáveis jamais o parlamentar pode ser preso.
Mas isso não pode significar que contra ele, colhido em flagrante (agredindo alguém, fazendo contrabando etc.), nada possa ser feito. Não se pode deixar perpetuar uma situação de ilicitude.
A prisão em flagrante, como sabemos, apresenta três momentos: a) captura, b) lavratura do auto de prisão em flagrante e c) recolhimento ao cárcere.
O parlamentar, em crime afiançável não alcançado obviamente pela inviolabilidade penal, desde que surpreendido em flagrante, será capturado, leia-se, interrompido em sua atividade ilícita, até porque não se pode conceber que uma atividade ofensiva a bens jurídicos tutelados pelo Direito penal perdure no tempo, quando é possível interditá-la.
Interrompe-se sua atividade ilícita (numa espécie de captura), mas não será lavrado o auto de prisão em flagrante e tampouco será recolhido ao cárcere. Recorde-se: em crimes afiançáveis o parlamentar não pode ser preso. Depois de tomadas todas as providências legais, será ele dispensado (e não há que se falar aqui em liberdade provisória).” (grifei)
(GOMES, Luiz Flávio, Juizados Criminais Federais, Seus Reflexos nos Juizados Estaduais e Outros Estudos – São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2002, pp 105/106.)
Poluição Sonora - Estudos de Caso II
Postado por APA Ibirapuitã on segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012
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