O Lixo em Discussão – Parte III

on quinta-feira, 17 de junho de 2010

17/06/2010
O Lixo em Discussão – Parte III
As consequências da gestão inadequada do Lixo Urbano de Livramento

Seguindo a metodologia de análise crítica e mediação de conflitos socioambientais, após serem identificadas as causas do problema relacionado à gestão dos resíduos sólidos urbanos de Santana do Livramento, durante o evento da Semana do Meio Ambiente foram analisadas as suas consequências socioambientais.

Consequências sobre o Meio Ambiente
Como uma das consequências da gestão inadequada dos resíduos sólidos urbanos, podemos citar a contaminação dos solos e das águas pelo chorume, líquido produzido na fermentação da matéria orgânica contida entre os resíduos. Este chorume, em contato com cacos de lâmpadas fluorescentes (a base de mercúrio), pilhas e baterias velhas (contendo metais pesados), embalagens de inseticidas para uso doméstico, entre outros produtos tóxicos, representa uma fonte de contaminação com grande potencial nocivo à saúde das pessoas, das plantas e dos animais. Escorrendo pelo solo e através dele, contamina cursos d’água e lençol freático, sendo possível a sua chegada até o Aquífero Guarani, caso entre em contato com as áreas de recarga deste Aquífero ou, através do lençol freático contaminado, chegue até poços artesianos não revestidos.

Consequências sobre a saúde humana
Os metais pesados, quando absorvidos pelos seres vivos, ficam acumulados nos corpos destes seres até sua morte. Possuem o efeito de bioacumulação, ou seja, todo metal pesado que entra no organismo é armazenado, durante toda a vida deste ser. Quanto mais metal pesado armazenado no corpo, mais tóxico é o efeito sobre o organismo contaminado, desencadeando diversas doenças, entre elas sendo comum alguns tipos de câncer.

O chorume contaminado com pesticidas, metais pesados e outras substâncias tóxicas, contamina solo e águas e é absorvido pelas plantas e pelos animais que servem de alimento para os humanos, trazendo grande risco para nossa saúde.

Além de substâncias venenosas, há o risco de contaminação deste chorume com patógenos transmissores de diversas doenças. Um exemplo: a existência de comida abundante entre a matéria orgânica acaba atraindo ratos para a área, sendo comum a urina destes ratos contaminar o chorume com patógenos causadores da leptospirose. Estes patógenos migram com o chorume contaminando água, solos e alimentos e acabam entrando em contato com pessoas e animais que desenvolvem a doença. Existe risco semelhante para a transmissão de doenças como desinteria, giardíase, amebíase, meningite e hepatite.

O tratamento (ou a falta de) dispensado atualmente aos resíduos sólidos urbanos do município traz grandes riscos à saúde das pessoas que hoje realizam a catação de materiais recicláveis, pois forma-se um ambiente tão insalubre que mesmo o uso de luvas e botas não impede o contato com chorume e materiais contaminados. Este é, sem dúvida, o grupo humano mais suscetível quanto aos efeitos da gestão inadequada dos resíduos sobre a saúde humana.

A presença de animais (cães, cavalos e porcos) circulando dentro e fora da área onde está sendo armazenado inadequadamente o lixo, ainda que esta armazenagem fosse apenas por algumas horas, constitui um grande risco à saúde humana. Além de defecarem na área, contaminando os resíduos com patógenos e parasitas, estes animais se tornam vetores de doenças, contaminando posteriormente as áreas fora do Aterro por onde transitarem e os demais animais e humanos com que tiverem contato. Cabe uma observação especial para a proliferação de moscas na área, as quais certamente circulam no Aterro e pelas propriedades vizinhas, carregando em seus minúsculos pelos corporais e em suas patas milhares de bactérias e fungos causadores de doenças.

Consequências econômicas
A contaminação de vacas prenhes por leptospirose provoca abortos, causando perdas econômicas aos produtores. Estas vacas contaminadas podem transmitir a doença para as pessoas.

Os plásticos que migram da área do Aterro para as propriedades vizinhas, seja por voarem com o vento, seja pelo arraste com a água da chuva, acabam sendo engolidos pelos animais domésticos, causando sua morte.

Uma das consequências econômicas mais impactante é, sem sombra de dúvidas, o fato da má gestão dos resíduos sólidos urbanos implicar em poluição e no descumprimento das licenças ambientais, resultando em pesadas multas para o município. Nenhuma prefeitura possui fundo de reserva para pagamento de multas, logo, fica evidente que a execução de uma multa ambiental implica na utilização de recursos da prefeitura que deveriam financiar outras ações fundamentais para a comunidade, como na área de saúde, educação e infraestrutura. Em resumo: as pessoas que compõem a administração pública não se preocupam em resolver o problema, pois a conta resultante de sua má gestão será dividida com toda a população santanense.

Conflitos socioambientais
Um conflito socioambiental é uma disputa entre no mínimo dois grupos de pessoas com visões diferentes sobre a forma como deve se dar o uso de um espaço natural ou de um recurso ambiental.

Em relação à gestão dos resíduos sólidos urbanos, existem dois conflitos claramente estabelecidos em Santana do Livramento.

O primeiro, e mais antigo, envolve a Prefeitura e os moradores do Rincão da Bolsa em relação à localização e aos impactos negativos do Lixão/Aterro Controlado.

O segundo, envolve a Prefeitura e os moradores da região da Subida da Serra e usuários da Piscina do Clube Santa Rita em relação à localização e aos possíveis impactos negativos da Estação de Transbordo de Resíduos Sólidos Urbanos que a prefeitura está instalando junto à BR 293.

E existe um terceiro conflito que está em vias de se instalar de forma bastante contundente: envolverá a Prefeitura e os “catadores” que hoje recolhem material reciclado na área de transbordo que vem operando no Aterro Controlado de Santana do Livramento. A partir do dia 19 de junho, quando finda o prazo dado pela Promotoria de Justiça e o Rincão da Bolsa não mais poderá ser utilizado pela prefeitura, os ‘catadores’ não mais terão acesso à sua fonte de renda.

É recomendável que a Prefeitura elabore com urgência uma solução para os ‘catadores’, visto que o conflito com os moradores do Rincão da Bolsa e da Subida da Serra envolve a defesa de qualidade de vida, enquanto o conflito com os ‘catadores’ envolverá defesa de seu meio de sobrevivência, o que poderá desencadear ações extremadas, e até mesmo violentas, motivadas pelo desespero deste grupo ao perceber que perderam seu único meio de vida. O oferecimento de cestas básicas não resolve o problema, pois como disse-nos um dos catadores que trabalha na área: “Eu uso o dinheiro que ganho aqui para comprar carne e leite e para pagar aluguel, luz e água. Como pago estas coisas com uma cesta básica?”.

Caso a Estação de Transbordo em licenciamento receba autorização para funcionar, deve ficar claro para a Prefeitura e para a população que a presença dos ‘catadores’ não será permitida, pois a ‘catação’ (e as adequações ambientais necessárias para desenvolver esta atividade de forma segura) não consta no empreendimento que está sendo licenciado pelo IBAMA. O que está sendo licenciado é a chegada do lixo, o despejo nos galpões cobertos, a chegada do caminhão maior, o carregamento deste caminhão com o lixo armazenado nos galpões e a saída deste caminhão para levar o lixo até seu destino final (aterro sanitário em outra cidade). E só. A presença de ‘catadores’ seria motivo de embargo da área e de nova multa para a prefeitura.

Pagamos mensalmente à empresa contratada pela Prefeitura o valor equivalente à quantidade de lixo que ela leva embora diariamente. Os ‘catadores’ recolhem grandes volumes deste lixo para revender aos recicladores, diminuindo consideravelmente o volume e peso do lixo que a empresa leva embora. Ou seja: graças ao trabalho dos ‘catadores’ pagamos menos pelo transporte dos resíduos sólidos urbanos de Livramento.

Conforme informado pelo DEMA/Prefeitura, 33% dos resíduos sólidos urbanos do município são constituídos por materiais recicláveis (papel, vidro, metais e plásticos), isto representa diariamente 14 toneladas de materiais que poderiam ser utilizados para gerar emprego e renda e ainda reduziriam a conta a pagar para a transportadora de resíduos. Em um ano deixaríamos de enviar para fora, e de pagar caro por isto, cerca de 5.110 toneladas de resíduos. Não seria a hora de Santana do Livramento pensar seriamente em reconhecer o serviço prestado à comunidade pelos ‘catadores’ e estabelecer uma parceria com eles para implantarmos a coleta seletiva em nosso município?

Leia também:

O Lixo em Discussão – Parte IV
Algumas alternativas para a gestão do Lixo Urbano de Livramento

O Lixo em Discussão – Parte V
Como Rivera trata a gestão dos Resíduos Sólidos Urbanos

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